terça-feira, 3 de setembro de 2013

Hora de modernizar

Ensino de física deve abordar questões controversas da mecânica quântica no ensino médio, propõem pesquisadores. Currículo baseado exclusivamente em cálculos matemáticos impediria reflexão do aluno sobre conteúdo visto em aula.
Por: Célio Yano
Publicado em 28/08/2013 | Atualizado em 28/08/2013
Hora de modernizar Albert Einstein, em palestra realizada em Viena, em 1921. Físico alemão é um dos autores do chamado paradoxo EPR, que provaria que a teoria quântica é incompleta. (foto: Ferdinand Schmutzer/ Wikimedia Commons)
Incentivar em alunos de ensino médio a leitura, a interpretação de texto e o posicionamento acerca do que foi lido. A proposta não é para aulas de literatura, história ou filosofia. A medida é sugerida por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) como forma de inovar o ensino de física – isso mesmo, a ciência que se ampara na lógica e usa a matemática como linguagem para explicar os fenômenos da natureza.
O assunto foi tema de oficina ministrada pelos físicos Cassiano Pagliarini e José Márcio de Oliveira, da Faculdade de Educação da Unicamp, na Escola Paranaense de História e Filosofia da Ciência, realizada na semana passada (19 e 20/8) em Curitiba. No evento, os pesquisadores apresentaram uma proposta de abordagem, no ensino médio, do chamado paradoxo EPR e suas controvérsias.
É aí que entrariam as leituras, seja de artigos originais de cientistas, seja de textos de divulgação científica. Para Pagliarini e Oliveira, que integram o Grupo de Estudo e Pesquisa em Ciência e Ensino, o ensino de física é muito limitado à reprodução de fórmulas e cálculos e desprovido de contextualizações, reflexões e discussões teóricas de caráter histórico, filosófico e epistemológico.
Pagliarini: “Fazer cálculos é aprender física, mas questionar determinada interpretação de uma teoria também é”
“Se o objetivo da educação básica é formar estudantes capacitados a passar no vestibular, esse método é suficiente”, diz Oliveira. “Mas se queremos formar leitores críticos e cidadãos, os conteúdos e estratégias têm de ser outros.” Na oficina, os pesquisadores falaram a um público com formações em diferentes áreas, como física, educação e filosofia.
“Fazer cálculos é aprender física, mas questionar determinada interpretação de uma teoria também é”, defende Pagliarini. Os pesquisadores ressaltam que a ideia que propõem não é acabar com o formalismo matemático usado nas aulas de física. “O problema é que todo o currículo se baseia exclusivamente nesse formalismo.”

A proposta

O paradoxo EPR, tópico usado como exemplo para abordagem de assunto controverso da física moderna no ensino médio, é um experimento mental formulado em 1935 por Albert Einstein, Boris Podolsky e Nathan Rosen (a sigla resulta das iniciais dos sobrenomes). Em artigo publicado no volume 47 da revista Physical Review, os autores pretendiam demonstrar que a teoria quântica era incompleta, uma vez que não era capaz de prever plenamente as propriedades de uma partícula subatômica.
No volume seguinte do mesmo periódico, no entanto, Niels Bohr rebateu os argumentos de Einstein, Podolsky e Rosen, defendendo que a mecânica quântica é capaz de descrever tudo o que há para ser descrito nos objetos físicos de que trata. Não há consenso até hoje sobre as diferentes interpretações da teoria quântica – assim como de vários outros conteúdos das ciências exatas.
Niels Bohr
Niels Bohr, em foto de 1958. Dinamarquês criticou artigo de Einstein, Podolsky e Rosen, entrando em discussão até hoje sem consenso. (foto: Israel Government Press Office/ Wikimedia Commons)
Para os pesquisadores da Unicamp, uma discussão em sala sobre o posicionamento de cada aluno a respeito do tema pode estimulá-lo a refletir sobre o conteúdo, ainda que a turma não chegue a uma resposta. “Ao ignorar temas como esse, passa-se ao aluno a falsa ideia de que a evolução da ciência é totalmente linear, objetiva e imutável”, diz Oliveira.
Segundo os pesquisadores, o ensino sobre questões controversas deve deixar claro que grupos de cientistas podem interpretar as mesmas informações de maneiras distintas e que questões controversas nem sempre podem ser resolvidas recorrendo-se à razão, à lógica e ao experimento. “A visão que o aluno precisa ter é a do cientista, ou seja, de que nenhum resultado é absoluto.”
A leitura e a discussão em sala de aula sobre questões controversas pode ser uma forma de incentivar até mesmo o interesse pela carreira científica, afirma Pagliarini. Com a proposta, os pesquisadores acreditam que podem contribuir para capacitar estudantes para tomada de decisão e, assim, aproximá-los de outros discursos além do científico, como o político e o social.

Limitações

Para Pagliarini e Oliveira, a responsabilidade pelo caráter obsoleto do ensino de física não é do docente, mas das políticas públicas de educação, que desvalorizam a carreira do educador. “Se um professor quiser investir tempo no debate filosófico, seja na escola pública ou na particular, haverá pressão até mesmo dos pais dos alunos para que a aula volte a ser dedicada à preparação para o vestibular”, diz Oliveira.
Oliveira: Se um professor quiser investir tempo no debate filosófico, haverá pressão até mesmo dos pais dos alunos para que a aula volte a ser dedicada à preparação para o vestibular
Uma pesquisa conduzida pelo grupo da Unicamp revelou que o principal motivo por que professores não utilizam tópicos de física moderna no ensino médio é o fato de eles próprios não haverem tido contato com o conteúdo ao longo de sua formação. “Mesmo na licenciatura, os currículos estão engessados e se restringem à física clássica.” A mudança, portanto, poderia começar pelo nível superior.
No ensino médio, eles sugerem que a introdução de tópicos de física moderna seja feita de forma orgânica, ao longo dos três anos do ciclo. Alguns estudos mostram que seguir a ordem cronológica do avanço da ciência, deixando a mecânica quântica para o fim do terceiro ano, é menos proveitoso.

Célio YanoCiência Hoje On-line/ PR

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