Astros são parte importante dos rituais e do cotidiano indígena
Por Germano Bruno Afonso*
15/04/2013
Os indígenas que habitam o Brasil relacionam as constelações, que
surgem ou desaparecem no horizonte, com eventos meteorológicos, como
períodos de chuva ou de seca, de calor ou de frio. Depois, associam
esses eventos com a época de enchentes, de vazante, de plantio, de
colheita, de caça e de pesca. O céu também guia o tempo das festas
religiosas e dos rituais feitos pelos pajés para proteção e cura dos
índios da comunidade.
Os Guarani pertencem à família linguística Tupi-Guarani, do tronco
Tupi. No Brasil, existem três subgrupos de Guarani: os Kaiowa, os
Ñandeva e os Mbya. A maioria dos Guarani do Brasil habita perto do
Trópico de Capricórnio, principalmente nos Estados do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.
Ao sul do Trópico de Capricórnio e ao norte do Trópico de Câncer, as
estações do ano são definidas em termos de calor e de frio, como ocorre
na a região Sul do Brasil. Na região Norte, que fica perto da linha do
Equador, a divisão se dá entre épocas de chuva e estiagem.
O calendário anual Guarani é dividido em apenas duas estações do ano:
o ara pyau e o ara ymã, em Guarani, que significam “tempo novo” e
“tempo velho”, respectivamente. Ara pyau é o período de calor e fartura
de alimento. Ele inicia no equinócio da primavera, passa pelo solstício
do verão e termina no equinócio do outono, quando o Sol se encontra
sobre a linha do Equador. O máximo do “tempo novo” ocorre no solstício
de verão, quando o Sol atinge o maior afastamento para o lado Sul,
chegando ao Trópico de Capricórnio. Nesse ponto, o movimento do Sol
cessa e ele retorna para o Hemisfério Norte. Perto do máximo do “tempo
novo”, no mês de janeiro, os índios Guarani celebram a colheita do milho
e realizam o ritual do batismo.
Ara ymã é o período de frio e escassez de alimento, que inicia do
equinócio do outono, passa pelo solstício de inverno e termina no
equinócio da primavera, quando o Sol se encontra, novamente, sobre a
linha do Equador. O máximo do “tempo velho” ocorre no solstício de
inverno, quando esse movimento atinge o maior afastamento para o lado
Norte, sobre o Trópico de Câncer. Nesse ponto, o movimento do Sol cessa e
ele retorna para o Hemisfério Sul.
Ou seja, o ara pyau é o tempo em que o Sol está no hemisfério Sul e o ara ymã quando ele se encontra no Hemisfério Norte.
Há diversas constelações que servem de calendário para os Guarani,
sendo as principais delas o Cruzeiro do Sul, as Plêiades, a Ema e o
Homem Velho, que também eram utilizadas pelos Tupinambá do Maranhão,
segundo relatou o monge capuchinho francês Claude d’Abbevile, em um
livro publicado em 1514, em Paris.
O Cruzeiro do Sul (Kurusu, em Guarani, que significa “cruz”) fica em
plena Via Láctea, sendo a constelação mais conhecida dos indígenas do
hemisfério Sul. Ela é formada, em sua parte principal, por cinco
estrelas, quatro delas representando uma cruz, e uma quinta fora dos
braços da cruz. Essas estrelas, pela ordem de brilho, são conhecidas
popularmente como Magalhães, Mimosa, Rubídea, Pálida e Intrometida.
Magalhães (a mais brilhante) e Rubídea (avermelhada) formam o braço
maior da cruz; Mimosa e Pálida compõem o braço menor. A Intrometida, a
mais apagada e que não participa do formato da cruz, não consta da
representação dessa constelação, segundo os índios Guarani.
O Cruzeiro do Sul está próximo do Polo Sul Celeste (PSC),
prolongamento do eixo de rotação da Terra no nosso céu, parecendo girar
em torno dele, de leste para oeste, devido ao movimento de rotação da
Terra, de oeste para leste. Assim, dependendo do dia e da hora, a cruz
pode estar de cabeça para baixo, deitada, inclinada ou em pé, sempre
fazendo uma circunferência em torno do Polo Sul Celeste.
O início de cada estação do ano é determinado, pelos Guarani,
considerando a posição da cruz ao anoitecer: no equinócio do outono, ela
fica deitada do lado sudeste; no solstício do inverno, fica em pé, com
seu braço maior apontando para o Sul; no equinócio da primavera, ela se
encontra deitada no lado Sudoeste; e no solstício do verão, a cruz fica
de cabeça para baixo, sendo visível somente após a meia noite.
As Plêiades (Eixu, em Guarani, que significa “favo de abelhas”) são
um aglomerado de estrelas jovens, azuis, que se localizam na constelação
ocidental do Touro. A olho nu, longe da iluminação artificial e sem
Lua, podemos ver, normalmente, sete dessas estrelas e, por isso, as
Plêiades são conhecidas popularmente como as sete estrelas ou as sete
irmãs.
Os Guarani, como muitas outras etnias indígenas, utilizam as Plêiades
para construir principalmente seu calendário agrícola, pois, de acordo
com a posição desse aglomerado estelar no céu, é tempo de preparar o
solo, plantar ou colher. Cerca de um mês por ano, do início de maio ao
início de junho, as Plêiades não são visíveis, porque ficam muito
próximas da direção do Sol. Perto do dia 5 de junho, elas se tornam
novamente visíveis, perto do horizonte, no lado leste, pouco antes do
nascer do Sol. Esse dia marca o início do ano para os Guarani e anuncia
que o dia do solstício do inverno, meio do ara ymã, está próximo.
* Germano Bruno Afonso é físico e astrônomo, professor aposentado
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Hoje trabalha no Museu da
Amazônia (MUSA). Em 2000 ganhou o Prêmio Jabutí pelo livro didático O céu dos Índios Tembé.
Referências
ABBEVILLE d’, C.
História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas. Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
AFONSO, G. B.; SILVA, P. S.
O Céu dos Índios de Dourados Mato Grosso do Sul. Editora UEMS, 86p . 2012.
AFONSO, G. B.
Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani. Scientific American Brasil (Edição Especial: Etnoastronomia), v. 14, p. 46-55, 2006.