terça-feira, 26 de junho de 2012

Como desenvolver as diversas inteligências




Há mais de 25 anos, a direção do Colégio Montserrat, instituição privada que atende alunos de zero a 18 anos em Barcelona (Espanha), decidiu implantar e desenvolver o ensino a partir do princípio que o ser humano possui múltiplas inteligências, conceito apresentado alguns anos antes pelo psicólogo cognitivo e educacional estadunidense Howard Gardner.
Além de conhecimentos linguísticos ou de lógica e matemática, parâmetros enfatizados e avaliados até então por quase todas as instituições de ensino ao redor do mundo, o método busca o desenvolvimento também das inteligências musical, visual, corporal, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencialista.
Diretora titular do Colégio Montserrat e da TV web educativa Think1.TV (http:// www.think1.tv), a Madre Montserrat Del Pozo trabalha na supervisão e aperfeiçoamento desse modo de ensino. Responsável também por projetos na República de Camarões, a diretora viaja o mundo divulgando o ensino por inteligências múltiplas, e faz um alerta: “Precisamos preparar as próximas gerações para dominar competências globais.”
Nesta entrevista concedida com exclusividade à Gestão Educacional, a educadora relata algumas das experiências de implantação do conceito de inteligências múltiplas na Catalunha e na África e, nesse aspecto, ainda fornece dicas para professores e gestores trabalharem currículo, metodologia de ensino e instalações.

Gestão Educacional: Quando e por que o Colégio Montserrat decidiu trabalhar as múltiplas inteligências?
Montserrat Del Pozo: Em 1986, tentávamos entender os motivos de alguns de nossos alunos, mesmo com potencial, não terminarem seus estudos ou sequer ingressarem na universidade. Os estudos indicavam que os estímulos ambientais geram no cérebro humano uma rede sináptica responsável pelo aumento da capacidade de conhecer e resolver problemas. Percebemos então que estimulávamos muito pouco os sentidos nas crianças de zero a 6 anos; o problema estava na educação infantil. Hoje, nossas crianças desse nível manuseiam tintas e materiais que estimulam o tato, o olfato, a visão, a audição e o paladar para que todas as inteligências sejam usadas desde cedo. Também nas idades posteriores criamos metodologias interativas que transformam a experiência cognitiva e sensorial em algo educativo.
Gestão Educacional: A escola precisa ser reconcebida para trabalhar as inteligências múltiplas?
Montserrat: Em primeiro lugar, é necessário definir para qual mundo a escola educa. O modelo tradicional de ensino baseava-se em palestras de um professor detentor do conhecimento, e o aluno buscava o engrandecimento da alma. Com a internet, a oferta grande e de fácil acesso a conteúdos e informações gerou uma educação 2.0, em que o professor compete como autoridade do conhecimento com produtos de comunicação. As próximas gerações necessitam de uma versão “3.0”, fundamentada no preparo dos alunos com competências de uso em qualquer parte do mundo globalizado e conectado. Estamos na transição entre esses dois últimos modelos. Trabalhar as inteligências múltiplas é uma metodologia que instrumentaliza os jovens para resolver problemas em qualquer parte do mundo, a partir de outros locais e a qualquer tempo.
Gestão Educacional: A senhora pode dar um exemplo?
Montserrat: Devemos olhar os alunos como pessoas que mudarão o mundo. Numa aula sobre a Segunda Guerra Mundial, fizemos um projeto em que os alunos conheceram e executaram melodias compostas por prisioneiros judeus. Estudamos a realidade dos campos de concentração, o conhecimento musical e o respeito humano. Esse projeto se propôs a sensibilizar os jovens, incentivá-los a pensar para criar um futuro diferente em que não se repitam os erros do passado, como foi essa guerra e algumas de suas particularidades como o racismo.

Gestão Educacional: Como é a organização curricular num colégio voltado ao estímulo de múltiplas inteligências?
Montserrat: Projetos de compreensão ajudam a desenvolver competências em informática, pensamento crítico e criativo, com ênfase nas rotinas e habilidades dos alunos. Na prática é uma aprendizagem experiencial e cooperativa. Os componentes curriculares de Física, Química, Matemática e Tecnologia são abarcados em projetos científicos interdisciplinares. As disciplinas da área das Ciências Sociais, Ética e Religião compõem projetos humanísticos. Os idiomas são ensinados a partir da perspectiva linguística, com o desenvolvimento de leitura, compreensão, escrita e aprendizado do uso técnico e social dos meios de comunicação.

Gestão Educacional: Qual é o papel das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)?
Montserrat: Os jovens aprendem a produzir conhecimento e conteúdo audiovi­suais, a manusear câmeras, equipamentos de estúdio de rádio e TV; [aprendem] edição, publicação na web e também como lidar com as redes sociais, que se transformaram num ponto de aprendizagem, quase outra escola. As tecnologias digitais também são ferramentas de eficácia e rapidez para o aluno gerir o próprio estudo, revisar conteúdos e buscar entender o que não ficou claro na escola. Todo nosso conteúdo está disponível on-line, em um sistema de gestão de aprendizagem baseado na plataforma gratuita de código aberto Moodle.

Gestão Educacional: Quais passos os gestores educacionais devem adotar para transformar sua escola em uma instituição que segue as inteligências múltiplas?
Montserrat: O ensino com ênfase nas múltiplas inteligências se baseia no pre­paro para resolução de problemas, possível apenas se o aluno se entender como sujeito. A escola deve integrar espaços e atividades para que essas pessoas tenham riqueza de relacionamentos, comunicação e expressão. A primeira mudança nesse sentido é do currículo e das metodologias de avaliação, pois devemos verificar também como ensinamos. O segundo ponto é a reavaliação dos papéis do professor e do aluno. Depois vem a organização do centro de ensino. Em Barcelona, por exemplo, integramos os laboratórios às salas de aula para que o aluno pratique e tenha a teoria concomitantemente, sem precisar sequer se deslocar. Por último, a arquitetura deve ser transformada com a composição de um ambiente que estimula todos os sentidos e a criatividade, o que chamamos de desorganização organizada.

Gestão Educacional: Quais são os papéis do professor e do aluno nesse contexto?
Montserrat: O docente se torna um treinador, no sentido do termo inglês coach, ou seja, aquele que orienta e trabalha as competências comunicativas e de resolução de problemas. Nossos laboratórios são integrados às salas de aula para que as experimentações ocorram em conjunto com o conhecimento teórico. A própria estrutura de pensamento do docente é modificada e ele se torna alguém que prepara a criança e o jovem para aprender durante toda a vida [lifelong learning], de forma singular, em todos os seus espaços. Por sua vez, os alunos participam do processo de maneira autônoma e metacognitiva – eles fazem a gestão do próprio aprendizado e constroem metodologias e currículos próprios, com o desenvolvimento de competências personalizadas.

Gestão Educacional: Quanto tempo leva para se adaptar uma escola a essa linha de ensino? Os custos são considerados altos para instituições com poucos recursos?
Montserrat: Normalmente, três anos são suficientes, mas depende das verbas disponíveis. Estimo que uma praça educativa como a de Barcelona custe o dobro de uma escola convencional para alunos das mesmas classes médias e altas na Espanha. Laboratórios e instalações de última geração encarecem o projeto, porém sua falta não inviabiliza projetos mais modestos. Na República de Camarões, onde trabalhamos praticamente sem recursos, implantamos a metodologia numa escola com 3 mil alunos, na qual as salas eram muito ruins e feitas de materiais rudimentares. Com o que tínhamos, modificamos a decoração, as cores e transformamos o local num ambiente digno para as pessoas que estão lá dentro.

Gestão Educacional: Como é o trabalho nessas condições com menos recursos?
Montserrat: A principal mudança é de abordagem. No caso dessa escola africana, criamos uma grande ligação e motivação afetiva, como quem diz ao aluno: “Você é importante, por isso estou aqui”. Não há estrutura física, mas o ensino e a aprendizagem são enriquecidos com leituras de contos, colheita de frutas nas redondezas e idas ao mercado, entre tantas outras atividades. A ideia básica é a mesma: criar situações em que as experiências estimulem as redes sinápticas e desenvolvam as diversas inteligências para a criança querer saber mais, ter vontade de aprender. É antes de tudo um preparo neurológico para pensar.


Fonte: revista Gestão Educacional.

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