Ana Carolina Moreno - G1 Globo.com - 03/09/2013 - Rio de Janeiro, RJ
O professor de educação para a ciência Eder Pires de Camargo, que dá
aulas na Universidade Estadual Paulista (Unesp), reuniu em um e-book
ferramentas úteis para professores ensinarem física a alunos que não
enxergam. Lançado neste ano pela Editora Unesp, o livro avalia os
obstáculos para incluir os estudantes cegos no aprendizado de
conhecimentos como óptica, eletromagnetismo, mecânica, termodinâmica e
física moderna, e sugere formas de viabilizar a participação e o
entendimento desses alunos. O livro pode ser acessado gratuitamente pela
internet.
Em
entrevista ao G1, Camargo explicou que este é o terceiro livro
produzido por ele a respeito da educação inclusiva de conteúdos de
física. Seu quarto livro, no qual ele pretende propor modelos teóricos
para melhorar a formação dos professores nesta área, já está nos planos.
Desde
2007, ele dá aulas na Unesp para futuros professores de física e afirma
que já tem obtido resultados interessantes. O professor explica que
decidiu pesquisar o tema, entre outros motivos, porque perdeu a visão a
partir dos 9 anos de idade. Além disso, `em ordem primeira de
importância, este é tema de grande necessidade social`, disse o
professor.
`Pensei
em estudar formas de ensinar física para um aluno com a mesma
deficiência que a minha, para facilitar o acesso desse aluno a um tipo
de conteúdo amplamente relacionado à visão, não que em sua natureza
seja, mas por uma cultura de videntes esta área do conhecimento acabou
sendo tornada dependente da visão`, afirmou Camargo. Hoje, aos 40 anos,
ele tem pós-doutorado e dá aulas na graduação e pós-graduação da Unesp
em Bauru e em Ilha Solteira.
O
livro é resultado da pesquisa de pós-doutorado do professor, realizada a
partir de 2005 sob a supervisão do professor Roberto Nardi, da Unesp de
Bauru. Ele tenta driblar costumes que estão enraizados na dinâmica de
uma sala de aula, onde o professor usa ao mesmo tempo sua fala e a
informação visual para se comunicar com os alunos. `Se utiliza muito um
tipo de linguagem que envolve o áudio e a visualização simultânea da
informação. Por exemplo: `note as características desse gráfico`
(professor indica o gráfico na lousa), `isto mais isto dá isto` (indica a
equação)`, explicou ele.
Dessa
forma, segundo Camargo, o estudante cego não consegue participar da
aula e sequer tem condições para formular perguntas a respeito do que
está sendo ensinado, porque só tem acesso parcial ao conteúdo. `Mais de
90% dos momentos de comunicação em sala de aula de física utilizam o
perfil que descrevi. Nisto reside uma parte das dificuldades enfrentadas
pelo aluno cego.`
Segundo
ele, não há soluções definitivas para ensinar todos os conteúdos de
física para quem não vê, mas é preciso dar mais atenção a outros canais
de comunicação. `De um lado, não podemos comunicar coisas estritamente
visuais a um cego total de nascimento. Contudo, de outro, nos faz pensar
que as outras experiências (táteis, auditivas etc) são fundamentais
para a construção de realidade, pois, pelo contrário, como estaria o
cego no mundo? Ele é um individuo que está ai, pensa, vive e muito bem
sem a visão.`Metodologia
Para
entender como superar esse obstáculo, ele passou um ano coletando dados
com a ajuda de estudantes de licenciatura em física e 35 alunos
videntes e dois cegos. `Na primeira parte, desafiamos futuros
professores de física da Unesp de Bauru a planejarem materiais e
atividades de ensino de física adequadas para a participação de alunos
com e sem deficiência visual. Na segunda parte da pesquisa, esses
futuros professores aplicaram módulos de ensino de física sobre cinco
temas. O curso todo levou 80 horas.`
As
aulas foram gravadas em vídeo e, depois do curso, todos os
participantes da pesquisa foram entrevistados. `A análise desses
materiais foi realizada durante os outros anos da pesquisa, 2006 a
2009`, explicou Camargo.
Segundo
ele, uma das formas pelas quais é possível driblar os hábitos de
comunicação excludente na sala de aula é ensinando por meio de maquetes
táteis. Ao transferir o conteúdo dos gráficos e esquemas da lousa para
um modelo 3D, não só é possível incluir os alunos cegos, mas a
ferramenta também pode facilitar o processo de aprendizado dos colegas
videntes, além de incentivar a interação entres os alunos.
Outros
materiais que podem ser usados são barbante, arame, massa de modelar,
isopor e pregos, entre outros. `Não sei por que, depois de um tempo, na
escola tudo se torna enlatado em livros e lousa e giz, de tal forma que
toda aquela criatividade do ensino infantil é esquecida. Não estou
dizendo contra livros e lousa, e sim criticando seus usos exclusivos`,
afirmou Camargo.
Além
disso, outra diferença nos hábitos do professor, na hora de pensar em
como dar uma aula acessível para quem não consegue enxergar, é a
necessidade de planejamento com maior antecedência. Isso permite a
construção dos modelos adequados para o ensino do conteúdo específico da
aula. Por isso, ele defende que, além do incentivo à formação
qualificada do professor, é preciso que o governo dê, no caso das
escolas públicas, a infraestrutura necessária para que o trabalho seja
feito.
Na
opinião do professor, essas condições ainda não são satisfatórias. Mas
Camargo defende que de nada adianta constatar o estado das coisas hoje,
principalmente considerando o sistema atual de ensino. `Eu diria que
torna-se muito complexo e contraditório falar em inclusão no atual
modelo de escola e sociedade, cujo ensinamento central é a
competitividade e o acúmulo, valores divergentes aos apregoados pela
inclusão.
Por
isto, é preciso falar em inclusão em seu sentido prospectivo, porque a
inclusão não está pronta, constituindo uma meta a ser atingida, uma meta
de uma nova sociedade e de um novo modelo social.`
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