segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O ensino de ciências corre atrás da pesquisa científica

Em sua coluna de setembro, o físico Carlos Alberto dos Santos fala das confluências entre a biologia e a física e da necessidade de o ensino de ciências integrá-las na sala de aula. Nas bancadas, essa convergência já é realidade.
Por: Carlos Alberto dos Santos
Publicado em 06/09/2013 | Atualizado em 06/09/2013
O ensino de ciências corre atrás da pesquisa científica
Assim como acontece na pesquisa científica, o ensino de ciências deve se pautar pela maior aproximação entre biologia, física, química e matemática. (foto: Stefan Krilla/ Sxc.hu)
James Dewey Watson, um dos descobridores da estrutura molecular do DNA, certa vez declarou que resolveu investigar os códigos de instruções hereditárias motivado pelo livro do físico austríaco Erwin Schrödinger, O que é vida?, publicado em 1944. Nesse livro, Schrödinger desenvolve a ideia de que a vida se baseia nas leis da física, sobretudo da termodinâmica e da mecânica quântica.
Olhando em retrospectiva, não há como negar que as ideias de Schrödinger chegaram antes de suas possibilidades de aplicação, mas ao mesmo tempo surpreende que suas implementações exigiram mais de meio século para sair do plano das suposições e fazer parte da linha de frente da pesquisa científica.
Esse notável crescimento da participação da física nos trabalhos de biologia motivou pesquisadores e professores das ciências biológicas a repensarem o ensino dessa matéria
Levantamento feito em 3 de setembro na base de dados Web of Science mostrou que entre 1950 e 1983 foram publicados 185 trabalhos contendo as palavras-chave biologia e física. Esse número subiu para 215 entre 1984 e 1993, 1.046 na década seguinte e 2.579 na presente década.
Esse notável crescimento da participação da física nos trabalhos de biologia motivou pesquisadores e professores das ciências biológicas, sobretudo nos Estados Unidos, a repensarem o ensino dessa matéria na escola secundária e na universidade.

Inovação no ensino

O fenômeno não é novo. Nos anos 1950, professores e pesquisadores norte-americanos, preocupados com a deficiência do ensino de ciências na escola secundária, sobretudo pelo aparente atraso tecnológico norte-americano frente à União Soviética, iniciaram um movimento de renovação do ensino que repercutiu na Europa e em diversos outros países, incluindo o Brasil.
Desse movimento resultaram os famosos projetos PSSC (Physical Science Study Committee), CBA (Chemical Bond Approach), BSCS (Biological Sciences Curriculum Study) e SMSG (Science Mathematics Study Group). Depois vieram o Projeto Harvard e o Nuffield Physics. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) traduziu o PSSC.
Ao longo desses quase 60 anos, pesquisadores dedicados ao ensino de ciências desenvolveram várias teorias de aprendizagem, materiais instrucionais inspirados nos projetos acima e modelos curriculares inovadores, mas jamais incorporaram as ideias de Schrödinger no ensino de biologia.
Erwin Schrödinger
O físico austríaco Erwin Schrödinger, em seu livro ‘O que é vida?’, publicado em 1944, já abordava a questão da aproximação entre a física e a biologia. (foto: Wikimedia Commons)
Só recentemente, quando a pesquisa científica avança celeremente para um cenário interdisciplinar no campo das ciências da natureza, movimentos no seio da comunidade de educadores respondem à necessidade da interdisciplinaridade no ensino de ciências, não sem antes enfrentar resistências de colegas mais conservadores.
Alguns projetos inovadores emergem nos Estados Unidos e na União Europeia.Science e Nature, as duas mais importantes revistas científicas na atualidade, têm veiculado inúmeros trabalhos sobre o assunto. Por exemplo, em abril deste ano, aScience publicou um número especial sobre os grandes desafios da educação em ciência, destacando o modelo STEM, sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Trata-se de um movimento internacional também conhecido como CTS – ciência, tecnologia e sociedade –, precursor das propostas interdisciplinares que agora começam a aparecer em grande número na literatura especializada, sendo a revistaCBE-Life Sciences Education, publicada pela Sociedade Americana de Biologia Celular, um dos principais veículos dessas propostas.

Esforços monumentais

Pelo que se prenuncia, já se foi o tempo em que uma pessoa resolve estudar biologia com medo de matemática ou de física. A pesquisa em ciências biológicas de ponta nas próximas décadas vai seguir o rumo traçado por Schrödinger há 70 anos. O percurso epistemológico será pavimentado por matemática e física, as detentoras dos conceitos básicos das ciências da vida.
Não se pode conceber que o biólogo do século 21 tenha formação básica em matemática e física diferente da de matemáticos e físicos
Então, não se pode conceber que o biólogo do século 21 tenha formação básica em matemática e física diferente da de matemáticos e físicos. Vale repetir, refiro-me à formação básica em matemática e física, e não a estudos profundos que transformem o biólogo em matemático e físico. Com essa formação básica, não será mais admissível que um estudante de biologia da próxima geração pergunte se o carbono da biologia é o mesmo da química.
O outro lado da moeda é que, já nos dias atuais, não é admissível que um professor de física se negue a falar sobre fotossíntese porque não é biólogo. A fotossíntese tem início com a absorção da radiação solar, através do efeito fotoelétrico, estudado na física, e prossegue com transferência de elétrons através de processos quânticos, a menina dos olhos dos físicos, que já foi incorporada pela química e está em sua fase inicial na biologia.
Folhas
Em modelos educacionais transdisciplinares, a fotossíntese, por exemplo, deve ser tratada tanto no contexto da biologia quanto da física. (foto: Sxc.hu)
É claro que transpor a barreira que separa modelos educacionais interdisciplinares e a prática em sala de aula exige muito mais do que a percepção favorável dos professores. Exige esforços monumentais de capacitação dos que foram formados nos limites das suas disciplinas e, sobretudo, a produção de novos materiais instrucionais, para não falar na elaboração de novas estruturas curriculares.
Transpor a barreira que separa modelos educacionais interdisciplinares e a prática em sala de aula exige muito mais do que a percepção favorável dos professores
Mas, se tais barreiras são assustadoras, parte da comunidade de pesquisadores em ensino de ciências vem contribuindo decisivamente para sua superação. Nesse sentido, há que se destacar a grande quantidade de trabalhos publicados sobre as dificuldades que alunos de todos os níveis enfrentam para a correta apropriação do conceito de energia. A razão e a importância de tanto esforço, do ponto de vista estritamente pedagógico, vêm do reconhecimento de que esse conceito talvez seja aquele que apresenta a maior transversalidade nas ciências da natureza.
Ou seja, a partir de determinados contextos fenomenológicos, é possível atingir praticamente todos os espaços conceituais da biologia, física e química, elaborando o conceito de energia nos fenômenos pertinentes ao contexto.
O título da coluna não poderia ser diferente. Jamais o ensino poderia ir na frente da pesquisa científica ou tecnológica. São essas atividades que definem as necessidades educacionais, mas, ao que parece, no presente caso da interdisciplinaridade, o tempo entre as realizações no campo da pesquisa e suas incorporações nos processos educacionais está demasiadamente longo.

Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana

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