Bióloga e educadora reflete sobre a necessidade de desmitificar a figura do pesquisador – visto frequentemente como genial, excêntrico ou tresloucado – e a própria atividade científica em sala de aula. E oferece algumas dicas de como fazê-lo.
Por: Vera Rita da Costa
Publicado em 19/09/2013 | Atualizado em 19/09/2013
No desenho ‘O laboratório de Dexter’, o personagem principal é um menino gênio que tem um imenso laboratório secreto conectado a seu quarto. A figura do cientista é frequentemente associada à genialidade no imaginário popular. (imagem: reprodução)
Basta uma busca rápida na internet para perceber o imaginário da sociedade sobre a figura do cientista e a atividade científica. De maneira geral e muito ampla, o cientista é retratado como louco, desleixado, excêntrico e genial. A ciência, por extrapolação, também é apresentada como exótica, difícil, coisa para poucos – aqueles poucos, loucos, desleixados, excêntricos e geniais que se dispõem a trabalhar com temas por demais complexos.
Exploradas pela mídia e muito presentes em nossa sociedade, essas imagens e concepções inadequadas do cientista e da própria ciência têm se transformado gradativamente em mitos. E, como todo mito, passaram a induzir o comportamento e a inibir o questionamento e o livre pensar, inclusive dos professores de ciências.
Exemplo dos efeitos negativos dessa distância entre realidade e imaginário popular é o fato, não raro, de encontrar muitos professores, nas séries iniciais do ensino, que apresentam grande dificuldade ou se consideram incapazes para ensinar ciências.
Quais as alegações e justificativas para isso? Justamente a ideia de que falar sobre ciência é difícil, principalmente para quem não tem formação específica na área. Ou, ainda, que para ensinar ciências é preciso dominar conceitos e conteúdos complexos.
É essencial, por exemplo, que se aceite como premissa básica que a ciência é, antes de um corpo de conhecimento enciclopédico que a humanidade vem acumulando ao longo dos séculos, o modo de pensar e agir sobre o mundo que gerou esse conjunto de conhecimentos e que, com base nessa proposição, se definam as prioridades em relação ao ensino que se deseja promover.
É preciso se convencer de que, de certa forma, todos podemos fazer ciência. Não necessariamente o faremos da mesma forma, com o mesmo grau de dedicação e especialização. Mas o estudo e a investigação de um determinado tema, seguindo uma dada metodologia – que requer questionamento, formulação de hipóteses, observação, experimentação e interpretação de resultados –, podem ser feitos a princípio por qualquer um de nós. Para ensinar ciências, é preciso reconhecer que essa forma de pensamento ou de construção de conhecimento não é restrita a poucos, nem requer genialidade, excentricidade ou habilidades não convencionais.
É muito raro isso ser considerado um conteúdo importante em sala de aula. Mas é uma abordagem fundamental!
Ou seja, diferentemente de pensá-los como gênios, excêntricos ou tresloucados, do ponto de vista do ensino, vale mais a pena concebê-los e apresentá-los como semelhantes, valendo-se dessas semelhanças para estimular os alunos a também pensar e agir no mundo de maneira objetiva e científica.
A imagem de alguns cientistas quando crianças é um bom começo para auxiliar na revisão desses conceitos. Como nós, eles tiveram infância, problemas, desejos, desafios e alegrias. Não há nada de sobre-humano, loucura, desleixo ou excentricidade em se produzir conhecimento.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP
Exploradas pela mídia e muito presentes em nossa sociedade, essas imagens e concepções inadequadas do cientista e da própria ciência têm se transformado gradativamente em mitos. E, como todo mito, passaram a induzir o comportamento e a inibir o questionamento e o livre pensar, inclusive dos professores de ciências.
Essas concepções inadequadas do cientista e da própria ciência têm se transformado gradativamente em mitos e passado a inibir o questionamento e o livre pensar, inclusive dos professores de ciências
Pesquisas em ensino de ciências revelam a presença de entendimentos errôneos da atividade científica em sala de aula. Além disso, alertam para a necessidade de o professor estar atento a tais percepções equivocadas, de modo a conduzir os alunos a pensar sobre o assunto e a desenvolver junto com eles um trabalho específico para a sua superação.Exemplo dos efeitos negativos dessa distância entre realidade e imaginário popular é o fato, não raro, de encontrar muitos professores, nas séries iniciais do ensino, que apresentam grande dificuldade ou se consideram incapazes para ensinar ciências.
Quais as alegações e justificativas para isso? Justamente a ideia de que falar sobre ciência é difícil, principalmente para quem não tem formação específica na área. Ou, ainda, que para ensinar ciências é preciso dominar conceitos e conteúdos complexos.
Um modo de pensar e agir
É fato que ministrar disciplinas científicas requer que o professor esteja bem informado e que domine os conceitos sobre os quais está trabalhando. Quanto mais, melhor. No entanto, mais importante ainda é que o professor tenha em mente uma concepção correta do que é a ciência e de como ela é produzida.É essencial, por exemplo, que se aceite como premissa básica que a ciência é, antes de um corpo de conhecimento enciclopédico que a humanidade vem acumulando ao longo dos séculos, o modo de pensar e agir sobre o mundo que gerou esse conjunto de conhecimentos e que, com base nessa proposição, se definam as prioridades em relação ao ensino que se deseja promover.
É preciso se convencer de que, de certa forma, todos podemos fazer ciência. Não necessariamente o faremos da mesma forma, com o mesmo grau de dedicação e especialização. Mas o estudo e a investigação de um determinado tema, seguindo uma dada metodologia – que requer questionamento, formulação de hipóteses, observação, experimentação e interpretação de resultados –, podem ser feitos a princípio por qualquer um de nós. Para ensinar ciências, é preciso reconhecer que essa forma de pensamento ou de construção de conhecimento não é restrita a poucos, nem requer genialidade, excentricidade ou habilidades não convencionais.
- Da esquerda para a direita: Albert Einstein, aos 3 anos; Charles Darwin, aos 7; e Marie Curie, aos 16. É preciso desmistificar a figura do cientista e mostrar que eles são pessoas como nós. (fotos: Wikimedia Commons)
É muito raro isso ser considerado um conteúdo importante em sala de aula. Mas é uma abordagem fundamental!
Como fazer?
Uma dica é introduzir o tema para discussão com os alunos, provocando questionamentos e permitindo que eles reflitam sobre a atividade científica, sobre o que motiva o cientista, sobre o que ele faz, de modo que possam reconhecer características ou habilidades humanas nesses personagens que, em princípio, todos possuímos. Assim, os estudantes criarão uma consciência crítica sobre o assunto e saberão afastar as imagens estereotipadas, repetidamente veiculadas pela mídia.
Vale mais a pena apresentá-los como semelhantes, valendo-se disso para estimular os alunos a também pensar e agir no mundo de maneira objetiva e científica
Pense por um instante: quantas vezes você foi apresentado a imagens confiáveis e não estereotipadas de Albert Einstein ou Charles Darwin? Provavelmente, muito poucas. E, no entanto, eles, assim como outros cientistas que produziram esse inestimável conhecimento que admiramos e buscamos incentivar, compartilhavam conosco habilidades cognitivas que, desenvolvidas, os levaram a ser reconhecidos em suas áreas de atuação.Ou seja, diferentemente de pensá-los como gênios, excêntricos ou tresloucados, do ponto de vista do ensino, vale mais a pena concebê-los e apresentá-los como semelhantes, valendo-se dessas semelhanças para estimular os alunos a também pensar e agir no mundo de maneira objetiva e científica.
A imagem de alguns cientistas quando crianças é um bom começo para auxiliar na revisão desses conceitos. Como nós, eles tiveram infância, problemas, desejos, desafios e alegrias. Não há nada de sobre-humano, loucura, desleixo ou excentricidade em se produzir conhecimento.
Leia também:
ALVES, R. Filosofia da ciência – introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Loyola, 2000.
CARVALHO, A. M. P. & GIL PÉREZ, D. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 1993.
ALVES, R. Filosofia da ciência – introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Loyola, 2000.
CARVALHO, A. M. P. & GIL PÉREZ, D. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 1993.
Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP
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