Astros são parte importante dos rituais e do cotidiano indígena
Por Germano Bruno Afonso*
Os Guarani pertencem à família linguística Tupi-Guarani, do tronco Tupi. No Brasil, existem três subgrupos de Guarani: os Kaiowa, os Ñandeva e os Mbya. A maioria dos Guarani do Brasil habita perto do Trópico de Capricórnio, principalmente nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao sul do Trópico de Capricórnio e ao norte do Trópico de Câncer, as estações do ano são definidas em termos de calor e de frio, como ocorre na a região Sul do Brasil. Na região Norte, que fica perto da linha do Equador, a divisão se dá entre épocas de chuva e estiagem.
O calendário anual Guarani é dividido em apenas duas estações do ano: o ara pyau e o ara ymã, em Guarani, que significam “tempo novo” e “tempo velho”, respectivamente. Ara pyau é o período de calor e fartura de alimento. Ele inicia no equinócio da primavera, passa pelo solstício do verão e termina no equinócio do outono, quando o Sol se encontra sobre a linha do Equador. O máximo do “tempo novo” ocorre no solstício de verão, quando o Sol atinge o maior afastamento para o lado Sul, chegando ao Trópico de Capricórnio. Nesse ponto, o movimento do Sol cessa e ele retorna para o Hemisfério Norte. Perto do máximo do “tempo novo”, no mês de janeiro, os índios Guarani celebram a colheita do milho e realizam o ritual do batismo.
Ara ymã é o período de frio e escassez de alimento, que inicia do equinócio do outono, passa pelo solstício de inverno e termina no equinócio da primavera, quando o Sol se encontra, novamente, sobre a linha do Equador. O máximo do “tempo velho” ocorre no solstício de inverno, quando esse movimento atinge o maior afastamento para o lado Norte, sobre o Trópico de Câncer. Nesse ponto, o movimento do Sol cessa e ele retorna para o Hemisfério Sul.
Ou seja, o ara pyau é o tempo em que o Sol está no hemisfério Sul e o ara ymã quando ele se encontra no Hemisfério Norte.
Há diversas constelações que servem de calendário para os Guarani, sendo as principais delas o Cruzeiro do Sul, as Plêiades, a Ema e o Homem Velho, que também eram utilizadas pelos Tupinambá do Maranhão, segundo relatou o monge capuchinho francês Claude d’Abbevile, em um livro publicado em 1514, em Paris.
O Cruzeiro do Sul (Kurusu, em Guarani, que significa “cruz”) fica em plena Via Láctea, sendo a constelação mais conhecida dos indígenas do hemisfério Sul. Ela é formada, em sua parte principal, por cinco estrelas, quatro delas representando uma cruz, e uma quinta fora dos braços da cruz. Essas estrelas, pela ordem de brilho, são conhecidas popularmente como Magalhães, Mimosa, Rubídea, Pálida e Intrometida. Magalhães (a mais brilhante) e Rubídea (avermelhada) formam o braço maior da cruz; Mimosa e Pálida compõem o braço menor. A Intrometida, a mais apagada e que não participa do formato da cruz, não consta da representação dessa constelação, segundo os índios Guarani.
O Cruzeiro do Sul está próximo do Polo Sul Celeste (PSC), prolongamento do eixo de rotação da Terra no nosso céu, parecendo girar em torno dele, de leste para oeste, devido ao movimento de rotação da Terra, de oeste para leste. Assim, dependendo do dia e da hora, a cruz pode estar de cabeça para baixo, deitada, inclinada ou em pé, sempre fazendo uma circunferência em torno do Polo Sul Celeste.
O início de cada estação do ano é determinado, pelos Guarani, considerando a posição da cruz ao anoitecer: no equinócio do outono, ela fica deitada do lado sudeste; no solstício do inverno, fica em pé, com seu braço maior apontando para o Sul; no equinócio da primavera, ela se encontra deitada no lado Sudoeste; e no solstício do verão, a cruz fica de cabeça para baixo, sendo visível somente após a meia noite.
As Plêiades (Eixu, em Guarani, que significa “favo de abelhas”) são um aglomerado de estrelas jovens, azuis, que se localizam na constelação ocidental do Touro. A olho nu, longe da iluminação artificial e sem Lua, podemos ver, normalmente, sete dessas estrelas e, por isso, as Plêiades são conhecidas popularmente como as sete estrelas ou as sete irmãs.
Os Guarani, como muitas outras etnias indígenas, utilizam as Plêiades para construir principalmente seu calendário agrícola, pois, de acordo com a posição desse aglomerado estelar no céu, é tempo de preparar o solo, plantar ou colher. Cerca de um mês por ano, do início de maio ao início de junho, as Plêiades não são visíveis, porque ficam muito próximas da direção do Sol. Perto do dia 5 de junho, elas se tornam novamente visíveis, perto do horizonte, no lado leste, pouco antes do nascer do Sol. Esse dia marca o início do ano para os Guarani e anuncia que o dia do solstício do inverno, meio do ara ymã, está próximo.
* Germano Bruno Afonso é físico e astrônomo, professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Hoje trabalha no Museu da Amazônia (MUSA). Em 2000 ganhou o Prêmio Jabutí pelo livro didático O céu dos Índios Tembé.
Referências
ABBEVILLE d’, C. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas. Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
AFONSO, G. B.; SILVA, P. S. O Céu dos Índios de Dourados Mato Grosso do Sul. Editora UEMS, 86p . 2012.
AFONSO, G. B. Mitos e Estações no Céu Tupi-Guarani. Scientific American Brasil (Edição Especial: Etnoastronomia), v. 14, p. 46-55, 2006.
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